Teatro
História de Moacir Sader

O enredo espiritual de nossas vidas, quase sempre está vedado aos olhos terrenos. Algumas vezes, no entanto, ele nos é liberado por concessão divina, até mesmo de modo surpreendente, como aconteceu na história iniciada em 1996, que contarei a seguir.

João Carlos, um repórter de televisão da cidade de Curitiba, se destacava pelo seu jeito amigo e bondoso com todos e por sua religiosidade expressiva - era católico praticante, com envolvimento nas atividades de sua comunidade religiosa.

Um dos momentos marcantes para os seus familiares e amigos se deu quando da chegada da imagem de Nossa Senhora Aparecida à capital do Paraná. Por sua característica humana peculiar, ele foi escolhido para liderar a celebração religiosa, além de coordenar a equipe de reportagem. As fotos publicadas nos jornais e as imagens mostradas na televisão, tendo como cenário de fundo a bela Rua das Flores, no centro da cidade, documentaram aquele momento de maior orgulho e satisfação de João Carlos.

Casado e pai de dois filhos adolescentes, era apegado aos seus familiares, sendo querido por todos. Pacifista convicto, aconselhava às pessoas a não portarem arma, porque - dizia sempre - a arma atrai a violência. Ironicamente, o destino lhe reservara a violência da pior espécie e de modo marcante para a sua família e amigos. Praticando corrida matinal com seu filho de 16 anos, João Carlos foi baleado a queima roupa por um adolescente drogado, caindo mortalmente ferido ao lado de seu filho.

Alguns dias antes, ele havia sido manchete religiosa, agora sua foto saíra nas páginas policiais, tendo sua morte se transformado em mais um mistério insanável para a polícia, visto que não encontraram motivos que justificassem o atentado.

Mais de dois anos se passaram desde aquele fatídico dia, a dor de todos foi um pouco amenizada, mas as lembranças do marido presente, do pai amigo e do jornalista exemplar (ganhador de vários prêmios por suas reportagens com qualidade), sobreviveriam para sempre.

Dois meses atrás, no entanto, em fins de agosto, Cristiano, irmão de João Carlos, teve um estranho sonho, um bocado sem sentindo em face de sua formação católica, mas com mensagem espiritual cristalina. Resumidamente o sonho foi o seguinte:

Cristiano se encontrava numa cidade cenográfica, onde estava sendo rodado um filme, e, por conta disso, diversos atores circulavam livremente. Entre eles, Cristiano visualizou o seu irmão falecido entrando em um dos prédios. Alegre pelo reencontro, correu em sua direção, entrando igualmente nas dependências do edifício. Deparou com grande corredor, no final havia uma porta dupla, daquelas que abrem para dentro e para fora. O seu irmão estava atravessando-a, volveu o pescoço para trás fixando o olhar em Cristiano. Neste momento, João Carlos transfigurou-se numa mulher e seguiu em frente, desaparecendo além da porta. Sem entender o que se passava, Cristiano se aproximou da porta, agora mais parecida com um portal de madeira larga e maciça. Ao lado da estranha passagem encontrou uma mulher de branco que ele achou ser uma enfermeira. Perguntou-lhe então que lugar era aquele e a mulher respondeu: "Aqui é uma maternidade". Cristiano intrigado questionou: "Maternidade! Eu vi o meu irmão entrar por esta porta e se transformar em mulher! O que isto significa?".

"Fique tranqüilo", respondeu a mulher, "este fato é muito comum aqui, acontece sempre".

Cristiano acordou intrigado com o sonho, sem tê-lo entendido plenamente, contou tudo a sua esposa, Viviane, logo ao amanhecer. Ainda que de formação originalmente católica e praticante, Viviane não deixara de questionar e estudar as filosofias esotéricas e, notadamente, a reencarnação. Por conta disto, a mensagem do sonho se pôs cristalina para ela: João Carlos iria reencarnar no corpo de uma mulher, Mas onde? Intuitivamente percebeu que tal fato iria acontecer bem próximo e que logo tudo seria conhecido.

Não tardou, sua expectativa foi satisfeita: em um encontro casual com uma sobrinha da sogra de João Carlos, soube que ela estava grávida de seu primeiro filho, já com sete semanas de gestação, data do sonho de Cristiano. O casal, aguardando carinhosamente o bebê, também é muito religioso; eles freqüentam a mesma comunidade católica de João Carlos.

Três meses se passaram desde o sonho de Cristiano, no qual ele encontrou seu irmão, João Carlos, em uma cidade cenográfica, sendo transmutado em mulher num dos edifícios. A explicação ocorrida no próprio sonho foi dada por uma pessoa (uma mulher de branco): "Aqui é uma maternidade... este fato é muito comum aqui, acontece sempre".

Viviane, esposa de Cristiano, juntamente com sua família, não perdia a missa dominical. Uma das músicas, cantada sempre na igreja, marcou intensamente, por ter sido tocada no velório de seu cunhado. Sempre que ouvia a canção, toda a tristeza expressa na filha de João Carlos, traduzida em lágrimas sem fim, ela se punha inevitavelmente a chorar, vez que se transportava há dois anos e o rosto sofrido de sua sobrinha, Leila, lhe vinha à mente e ao coração.

Embora lutasse bravamente para conter este sofrimento, renascido a cada emissão daquela melodia, Viviane se via dominada por força incontrolável, as lágrimas rolavam livres de forma dolorosa. No último domingo, Viviane, Cristiano e seus três filhos, como de hábito, encontravam-se na igreja católica que freqüentam. Parecia um dia como outro qualquer, mas um fato novo se evidenciaria, quase imperceptivelmente a todos, inclusive aos membros de sua família, Viviane não chorou quando a música foi tocada; pela primeira vez, a tristeza não aflorou de seu coração, como se ela não mais existisse ou como se não houvesse mais motivos para a sua existência.

Algo havia mudado, mas o que seria? Questionava Viviane consigo mesma. E com os demais parentes de João Carlos, será que a dor também havia apaziguado? Foi aí que percebeu que nos últimos três meses ocorreram mutações significativas no comportamento emocional daqueles que mais sofreram com a "morte" de João Carlos.

A esposa estava mais dinâmica, como se o mundo houvesse renascido, havia clara evidência de ter sido retirado um enorme peso de seus ombros, ela se vitalizara em nítida alegria. Um de seus filhos, Rodrigo, até então trancafiado em seu mundo interior, sentiu irresistível vontade de se entregar novamente ao estudo e ao trabalho, restabelecendo o dinamismo outrora perdido, desde a partida de seu pai. Marco, filho de Viviane, intensamente apegado ao tio falecido, nos últimos tempos transparecia sofrer menos e sentir fé no futuro: o dinamismo também voltou ao seu âmago.

Essas mudanças evidentes e outras ainda não percebidas por Viviane corretamente seriam explicadas pelo fato dessas pessoas em suas camadas inconscientes, ou no chamado supraconsciente ou ainda no eu superior, passaram a saber que João Carlos, que nunca em verdade estivera morto (mas sim em outra dimensão), estava de volta à vida terrena e bem próximo de todos, faria parte da mesma família carnal e já em fase de gestação.

Quando dormimos, o nosso eu superior se manifesta livremente, encontra-se com pessoas que amamos e com entidades superiores, período em que inúmeras informações nos são passadas, ficando estas inevitavelmente guardadas em nosso inconsciente com manifestação, na lembrança ativa, apenas como força motriz para novos comportamentos e sentimentos.

No caso da reencarnação de João Carlos, todos os membros da família tiveram esta informação inconscientemente, mas não se lembravam do fato, apenas se sentiam renascidos da intensa dor até então existente.

O mérito espiritual de João Carlos permitiu seu retorno rápido ao convívio de seus entes queridos, o mérito de sua família tão religiosa fez a dor ser apagada de seus corações aparentemente de modo milagroso.

Marta saiu da igreja como se não houvesse ninguém ao seu redor, Curitiba, fazia um frio intenso, apesar de ser verão; a natureza afetada por El Niño seguia outros parâmetros meteorológicos. Da mesma forma, Viviane estava afetada por uma sapiência espiritual distinta de tudo que aprendera, uma emoção forte tomou conta de seu coração, codificada em límpida felicidade, ao ter a certeza do intenso amor existente nos universos espirituais, amor este que se apresenta como o principal regente de todos os acontecimentos superiores.

No primeiro ano da morte de João Carlos, a sua esposa Ângela, por mais que desejasse, não conseguia sonhar com seu marido. Os seus filhos contavam sobre os sonhos com o pai, mas ela nada lembrava, nenhuma imagem do marido surgia em seus sonhos.

Na metade do ano de 1998, ela começou a ter sonhos interessantes com João Carlos.

– São sonhos diferentes, com nitidez quase real – confidenciou Ângela à sua cunhada Viviane.

– Certa vez, João Carlos apareceu em meus sonhos e me disse: "Ângela, se arruma bem bonita porque vamos a uma festa".

Ângela acordou sem entender a que festa ele poderia estar se referindo, não havia nenhuma programação neste sentido. Surpreendentemente, naquele mesmo, dia Ângela recebeu o convite para a festa de aniversário de um grande amigo do casal. Ela ficou emocionada.

Vários sonhos deste tipo passaram a acontecer em suas noites de sono, enchendo o seu coração de imensa felicidade, mas Ângela revelou apenas mais um em conversa com Viviane:

– Eu estava ao lado de João Carlos, ele encontrava-se todo de branco e junto a inúmeras pessoas. As imagens destas pessoas não seguiam contornos exatos, pareciam ser formadas de fumaça, flutuavam no ar, entre algo similar a nuvens. Olhando fixamente para Ângela, João Carlos falou: “Não fique triste, terei de partir, não poderei mais me encontrar com você, irei mudar de nome”.

Ângela acordou convicta de ter sido despedida, contudo não estava triste, parecia ter entendido toda a explicação feita por João Carlos, ainda que não lembrasse da conversa em sua totalidade.

Nos meses seguintes não conseguiu sonhar com o seu marido daquela forma tão nítida. Os sonhos que se sucederam a partir de então se apresentavam de modo comum, sem a clareza de antes.

O último “sonho” de Ângela com João Carlos foi de fato despedida definitiva dele enquanto marido, pois agora ele iria renascer, teria outro nome, outro corpo, outras missões (estava chegando o dia da sobrinha da sogra de João Carlos dar a luz a uma linda menina). Claro que Ângela, católica praticante, não entendeu toda mensagem, até porque desconhecia o processo de reencarnação. Seu espírito, no entanto, quando esteve com João Carlos pela última vez, teve toda a clarividência dos fatos, tanto que ela despertou aceitando tudo, disposta a recomeçar sua vida, a não sofrer mais pela distância de seu marido. Inconscientemente, Ângela está convicta de que ele vive, que a morte não existe e que a jornada continua no incrível e normal ciclo da vida espiritual/material.

O espírito de João Carlos, agora no corpo de uma menina, vinha vivenciar outras experiências, para evoluir ainda mais, ficando mesmo assim próximo de sua família anterior.

Os desígnios de Deus são sempre precisos: a morte de João Carlos teve o seu significado cármico, mas ele e sua família mereciam continuar a convivência interrompida com a morte e esta bênção foi concedida rapidamente. E mais: Deus permitiu que alguém da família soubesse que tudo seria consumado em breve, no sentido de restabelecer a verdadeira fé com base no conhecimento dos parâmetros divinos manifestados na lei cármica da reencarnação.

Todos nós aqui na terra somos atores (aqueles vistos no sonho de Cristiano), representando diversos papéis no teatro real em busca da aprendizagem definitiva do verdadeiro amor ao próximo e a Deus.

O amor liga para sempre os espíritos.


Luz, amor e conhecimento.

Moacir Sader
Mestre de Reiki Usui, Karuna e da Chama Violeta